sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Governo prepara medidas que implicam a violação do segredo profissional dos advogados

Independentemente da medida noticiada aqui ser, intrinsecamente, um perfeito disparate*, o certo é que se trata de uma intolerável agressão a um dos principais esteios da advocacia – o segredo profissional* – e mesmo a um dos fundamentos últimos da mesma – o aconselhamento jurídico.
No Governo e na Assembleia da República existem advogados.
Numa primeira e rápida análise, e hoje falta-me o tempo, afigura-se-me que os deputados advogados que propuserem e votarem favoravelmente medidas como esta não sabem o que é a Justiça, não são dignos de a servir, nem de envergar a toga que têm pendurada no armário.
Não confundo as responsabilidades executivas ou legislativas com os interesses próprios dos advogados.
Compreendo, respeito e saúdo o facto dos advogados se dedicarem à nobre actividade política.
Congratulo-me quando representam o povo com a liberdade, a independência e a exigência que devem ser apanágio da sua actividade outra, a de advogados.
Não aceito é que esqueçam a Justiça e as suas exigências.
Sendo, como são, para além de políticos, advogados.
Não seria caso de alguns de nós, cidadãos, participarmos disciplinarmente contra os Advogados (pelo menos aqueles que não têm a respectiva inscrição suspensa) que prepararam, propuseram e votarem favoravelmente as propostas supra, por violação dos arts. 85º, n. 1; 86º a) in fine do Estatudo da Ordem dos Advogados?

* Notas:
1 - e inconstitucional, cfr. arts. 9º b), 25º n. 1, 37º ns. 1 e 2 da CRP.
2 - O segredo profissional não está ao serviço dos advogados, nem sequer, em primeiro lugar, ao serviço dos clientes em concreto dos advogados.
O segredo profissional existe porque é necessário e imprescindível à Justiça.
A Justiça só se pode realizar se cada cidadão ou pessoa puder defender incondicionalmente os seus interesses legítimos. Para o fazer tem de ter condições para confiar em absoluto no advogado, que os defende. Só assim essa defesa pode ser livre, independente e competente. Sem segredo profissional não há confiança e sem esta a defesa será sempre insuficiente. Nenhum povo civilizado, nenhum estado de direito democrático pode conviver com a ideia da violação do segredo profissional do advogado. A admissão da possibilidade dessa violação revela uma total falta de consciência democrática, de sentido da responsabilidade e de Justiça.
3 - O planeamento fiscal é legal, é justo e é legítimo. Enquadra-se, por isso, no conceito de interesses legítimos, que são aqueles que o advogado pode e deve defender. Não obstante, o segredo profissional abrange tudo o que é revelado ao advogado, independentemente de estar ou não directamente relacionado com esses interesses legítimos, sob pena de ficar irremediavelmente quebrado o princípio da confiança, em concreto, e em abstracto.

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa Tarde,
Foi com curiosidade que vi o vosso blog.
Gostava de partilhar com vocês uma ideia que me anda a girar na cabeça vai para muito tempo: imaginem um site onde qualquer pessoa poderia colocar questões jurídicas. Esse site teria um gabinete de advogados que responderia às questões. Quer as questões quer as respostas (mediante alterações para garantir a confidencialidade) estariam disponíveis para consulta livre e para comentário.
O objectivo seria o de construir um site de FAQ na área jurídicas nas suas diferentes vertentes (menos criminal porque suponho que é algo complicado de colocar) e por essa via gerar acesso ao site possibilitando a sua rentabilização via publicidade.
O contacto real das pessoas que colocam questões seria acessível ao gabinete de advogados que dão suporte ao site (essa informação ficaria bem explicita no site) para posteriormente possibilitar ao angariação de clientes para o gabinete.
Outros gabinetes e advogados poderiam comentar a questão juridica colocada mas não teriam acesso aos dados da pessoa que a colocou. Para isso teriam de pagar um valor para terem acesso a esses dados.
Será que um site deste género pode ser constituido sem ferir a lei portugues (ora aqui está um primeira questão a colocar ao site)? É a minha única dúvida porque acho que um site deste tipo e bem feito terá todo o interesse.

Um bom fim de semana,

Pedro Cruz disse...

Estimada Bikoka
A sua sensibilidade acabou por suscitar-lhe a dúvida pertinente, que inviabiliza a sua ideia...
Com efeito, a lei portuguesa inviabiliza a concretização dessa ideia, que não deixa de ser excelente e, noutras circunstâncias, muito interessante.
Em Portugal só os advogados podem prestar consulta jurídica.
Trata-se de uma limitação aparente, dado o considerável número de advogados inscritos, com as mais diversas experiências e abordagens profissionais, que visa proteger os interesses dos cidadãos no sentido de obterem informações certas e adequadas à defesa dos seus interesses legítimos (e só os advogados estão em condições de o fazer).
Ora, sucede que os advogados estão sujeitos a um rigoroso código deontológico que visa, precisamente, garantir que a sua conduta e prestação profissional servem a Justiça e os aludidos interesses legítimos dos seus clientes. Ora, a concretização sugestão da Bikoka seria ilegal, por violação de diversos deveres deontológicos, a saber:
- O dever de guardar o segredo profissional;
- O dever de não angariar clientes activamente, por si ou por interposta pessoa;
- O dever de não fazer publicidade comercial.
Devo dizer, no entanto, que ideias parecidas já foram surgindo e poderão, com restrições, ser aplicadas.
Este blawg, que se destina a ser lido por clientes, colegas, amigos e interessados é uma pálida ideia do que pode ser feito em termos de informação jurídica.
Bons sites com informação jurídica são o Verbo Jurídico e o Juris.
Para a partilha de opiniões e informações entre juristas existem duas interessantes listas de troca de mensagens electrónicas, onde participam juristas de expressão portuguesa: A Ciberjus e o Forlegis. Se for jurista, mesmo que não seja portuguesa, pode inscrever-se e participar (se ainda existirem vagas). Fica o convite.
E se gostou do blawg, continue a lê-lo, e a comentá-lo.
Grato