sexta-feira, 14 de julho de 2006

A indignação «asmática»

Certo juiz, bem conhecido pelo seu labor em prol da justiça e serviço aos que a servem, e que sempre demonstrou o maior respeito por todos os denominados operadores judiciários, terá qualificado, num despacho judicial, determinado argumento usado num articulado como «asnático».

O ilustre causídico autor da peça, entendeu queixar-se ao C.S.M.
Estava no seu direito, e compreende-se.

É inquestionável que os juízes devem administrar a justiça com reserva e distanciamento e que devem ser parcos em adjectivos, apesar de nós, advogados, que reivindicamos - com total propriedade e acerto, diga-se de passagem - uma certa liberdade de discurso para as nossas peças, devermos ser os últimos a queixar-nos por excessos desse tipo.

Não satisfeito, esse advogado enviou cópia da participação ao Conselho de Deontologia do Porto, que por sua vez a enviou ao Presidente do Conselho Distrital do Porto.

Este entendeu dirigir uma carta ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura, manifestando a sua opinião acerca daquela que reputa ser a grande gravidade dos actos - a supra referida qualificação de um argumento como asnático, depois de salvaguardado o respeito devido.

O C.S.M. mandou arquivar a participação, porque o Juiz em causa apresentou explicações em que reconhece que a adjectivação usada no despacho, referido a um argumento invocado pelo ilustre causídico, corresponde a um momento infeliz, que deveria ter evitado e de que se penitencia, de forma pesarosa

Não satisfeito, o Senhor Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, decidiu comentar o caso, identificando os intervenientes, manifestando a sua indignação, nos termos que se podem ler aqui, terminando com esta decisão:
«Foi, pois, com muita mágoa e muita apreensão que tomei conhecimento daquela deliberação, e, por isso mesmo, não quis deixar de partilhar com todos os Advogados esta minha indignação, aqui no "site" do CDPorto.»

Face a isto pergunto-me:

O Senhor Presidente do Conselho Distrital do Porto não tem nada mais importante para fazer?

Não terá, nesta sua linha de preocupação, casos verdadeiramente graves para denunciar? Casos de denegação de justiça; casos de aplicação errónea e arrogante do direito, sem possibilidade de recurso, mas com gravíssimas consequências; inúmeros casos de desrespeito efectivo e grave pelos advogados, pelas partes e pelas testemunhas…?

Este caso merecia a intervenção do Senhor Presidente do Conselho Distrital do Porto, em pessoa, junto do C.S.M., no que até pode ser entendido como uma pressão num caso concreto?

E merecia a divulgação no site do Conselho Distrital do Porto?

E o que dizer da divulgação da identidade dos intervenientes?
Aliás, receio que a boa vontade e empenhamento do Senhor Presidente do Conselho Distrital do Porto a favor do advogado em questão, acabou por prejudicar mais esse causídico do que a própria qualificação infeliz de um argumento, num despacho destinado, em princípio, a ser lido apenas por si e pelo colega que patrocinava a parte contrária.

A publicidade dada ao caso, com nomes, levou a história do argumento asnático a todos os leitores da página na Internet do Conselho Distrital do Porto de modo que, alguns deles, ao lê-la, não conseguirão evitar um íntimo sorriso…, a contragosto.

Mas o pior de tudo é que a auto-cegueira e injustiça de muitos, que olvidam os seus próprios erros, pode levá-los a fazer apreciações sumárias e preconceituosas do tipo: O advogado fulano de tal é asnático, ou usa argumentos asnáticos.

Aquela que não passava de uma menção infeliz e certamente imponderada, que não sairia de um círculo restrito, foi ampliada e passou a chegar a um grande público, que a distorcerá. Pelo menos chegou até a mim, alheado advogado da capital, que nada tem que ver com o caso, e que nem lê habitualmente as páginas do Conselhos Distritais que não o seu, nem tem a honra de conhecer pessoalmente os intervenientes do(s) incidente(s).

Como se referiu supra, o Juiz em questão apresentou explicações e penitenciou-se pelo erro, de forma pesarosa.

O que mais queria o Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Distrital do Porto?

Quantos juízes ou advogados teriam, nas mesmas circunstâncias, a verticalidade de reconhecer um erro, e a lhaneza de o lamentar dessa forma?

Que o autor do adjectivado argumento não tenha desvalorizado o incidente, reduzindo-o à sua verdadeira dimensão, é uma coisa, compreensível;
que o Presidente do Conselho Distrital do Porto, amplifique desmesuradamente a questão, reagindo (certamente nos termos do art. 51º, n. 1 p) do E.O.A.) num ataque ad hominem contra um juiz conhecido por promover um saudável ambiente de boa colaboração entre advogados e juízes é outra, diferente, que me parece lamentável e, até, asmática, pela falta de fôlego da iniciativa, que não irá longe e que a muitos deixou de respiração suspensa.

Quando todos os dias vemos a Justiça degradar-se, por acção do legislador, por acção do executivo, por acção e omissão de alguns magistrados (judiciais e do M.P.), e também por acção ou omissão de muitos advogados;

quando, insisto, tomamos conhecimento de certos casos, inaceitáveis, de flagrante e intolerável injustiça,

E quando não fazemos o suficiente, individual e mesmo institucionalmente, para inverter a situação;

Parece-me francamente desadequado, contraproducente e, no caso, excessivo e até injusto, o destaque dado ao caso.

Para podermos erradicar ou diminuir práticas perversas, de juízes iníquos (cfr. Salmo 81), devemos acarinhar os Juízes que lutam por administrar a Justiça, mesmo quando erram pontualmente.

Colaboro activamente com a O.A. muito para além do que o Estatuto me impõe e até apoiei candidaturas que venceram as últimas eleições para a O.A., mas não me revejo, de forma alguma, na opção por prioridades deste tipo...
Aliás, não me revejo, sequer, nesta forma de actuação.

Isto, tudo, salvo o devido respeito que, naturalmente, é muito.

1 comentário:

Anónimo disse...

V. tem razão.
E, paradoxalmente, não tem.
Explico.
Um Juiz, que não interessa saber quem é, fez asneira.
Asneira, segundo do Dicionário Houassis da Língua Portuguesa, significa acto ou dito tolo ou impensado e provem etimologicamente de asno+-eira.
Um Juiz, sem margem para qualquer dúvida, praticou um acto tolo e impensado.
Fez asneira.
Um Advogado, que igualmente não interessa saber quem é, também tinha feito asneira.
E grossa e rotunda asneira.
Vem o Conselho Superior de Magistratura e também faz asneira.
E, não satisfeito, vem o Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, que, para não se ficar por burro, também faz asneira.
Onde tem razão?
Tem razão quando afirma que esta asneira de um Juiz não justificava de modo nenhum a muito maior asneira da reacção, absolutamente excessiva e completamente despropositada, com laivos de mesquinha e torpe vingança.
A mim, que sou Advogado, envergonha-me essa atitude.
Envergonha-me - e estou, neste aspecto, inteiramente consigo - que alguém se permita
dar a um incidente absolutamente menor e completamente insignificante, um relevo público desta intensidade, com sérios prejuízos para o bom nome profissional e dignidade pessoal quer do Juiz, quer do Advogado.
Certamente que nem um, nem outro, mereciam tal tratamento.
Onde não tem razão?
Não tem razão, desde logo, quando afirma que ao Advogado cabia o direito a participar disciplinarmente do Juiz.
No meu modo de ver a vida (que não é apenas feita de regras legais) ao Advogado cabia o direito a escrever ao Juiz a manifestar-lhe que se considerava ofendido na sua honra e consideração pela utilização da tal expressão e a pedir-lhe satisfações.
A seguir, ao Juiz cabia o dever de lhe apresentar desculpas e ao Advogado o dever de as aceitar.
Ao Advogado só cabia o direito à participação disciplinar se essas satisfações não fossem efectivamente prestadas.
Há, nos nossos dias, uma verdadeira sanha por participações e processos.
Há processos porque sim e há processos porque não.
É inacreditável.
Parece que já ninguém é capaz de resolver nada como cavalheiros.
Depois, não tem razão, porque, face à lamentável participação disciplinar e ao subsequente procedimento que se lhe seguiu, não vejo como é que as satisfações dadas pelo Juiz no seu âmbito possam conduzir ao respectivo arquivamento.
Se são verdadeiros os factos, se foi efectivamente violada uma regra de comportamento, tal circunstância só pode servir para diminuir a culpa, mas nunca para a excluir.
Também lhe digo que, se estivesse no lugar do Juiz e um Advogado se permitisse participar disciplinarmente de mim por tal motivo, sem previamente me pedir satisfações, também não lhe daria as explicações no processo disciplinar.
Teimaria, como asno, que o tal argumento era efectivamente asnático – como parece que é – explicando e justificando as razões da utilização do adjectivo.
Depois lá viria a sanção.
Sabe o que mais? Tudo isto é uma asneira do princípio ao fim.
Uma verdadeira e lamentável asneira.
Logo a propósito de asininos, bichos de que tanto gosto.