quarta-feira, 8 de março de 2006

C.U.C.

Na sequência de uma promessa eleitoral, foi hoje apresentado o cartão único do cidadão, documento que integrará os dados actualmente constantes no Bilhete de Identidade, nos cartões de utente da Segurança Social, Serviço Nacional de Saúde, e nos cartões de eleitor e de contribuinte.
Na parte da frente, o novo cartão do cidadão exibirá a fotografia do titular e os elementos de identificação civil. Na parte de trás constarão os números de identificação de contribuinte, da Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde, um chip e uma zona de leitura óptica (banda magnética).
Entre outras funcionalidades, o novo cartão do cidadão permitirá que o seu titular recorra à assinatura electrónica, através de um computador e de um código (pin pessoal), à semelhança das actuais Cédulas Profissionais de Advogado.
Desse modo, o cidadão poderá, p.e., comunicar por via electrónica a sua mudança de residência, o que alterará automaticamente o código da sua zona de contribuinte e a freguesia onde exercerá o seu direito de voto.
Ao completar 18 anos o cidadão será oficiosamente inscrito nos cadernos eleitorais (mediante procedimento electrónico automático?). Deixará de existir número de eleitor, bastando, para exercer o direito de voto, o número de identificação civil. (Se os dados não forem confrontados com os das Conservatórias do Registo Civil, poderemos ver o recenseamento de cidadãos já falecidos…).
Mas nem tudo são rosas…
Estamos perante mais um passo inequívoco no sentido da big brotherização da nossa sociedade.
De recordar que esta é a segunda notícia / medida nesse sentido desde o início do ano.
Países de tradição democrática continuam muito reticentes quanto à introdução do próprio documento de identificação. Nós caminhamos no sentido de reunir um importante acervo de informação num único instrumento de identificação plena, ou quase.
Se a estas medidas juntarmos a crescente desjudicialização dos conflitos, o controlo crescente do poder judicial, a limitação da liberdade de informação aos jornalistas, etc., temos razões para ficar apreensivos.
Por ora o Governo ainda vai garantindo que o Cartão Único não significa a fusão e o acesso indiferenciado às diferentes bases de dados que o sustentam…
Receamos que seja uma questão de tempo.
Basta atentar nas seguintes promessas, ou ameaças, hoje adiantadas e que foram recolhidas pela Lusa:
"A partir do lançamento do cartão do cidadão, há uma grande gama de projectos que poderão simplificar e modernizar a relação da Administração Pública com os cidadãos. Tenho a certeza que passará a haver uma concorrência entre os serviços da Administração Pública para a inclusão de novos dados no cartão do cidadão" - José Sócrates
«"Com o cartão do cidadão, deixarão de existir cerca de 40 milhões de cartões actualmente emitidos pelos serviços da Administração Pública. Haverá ainda nos serviços do Estado uma revisão da engenharia de procedimentos", disse António Costa, lembrando que o novo documento irá motivar a "unificação das 400 bases de dados diferentes ainda actualmente existentes no Ministério da Saúde".»
«A coordenadora da Unidade de Coordenação da Modernização Administrativa (UCMA), Maria Manuel Leitão Marques, adiantou ainda que a haverá uma "unificação das bases de dados de identificação civil e eleitoral".»

Se considerarmos as potencialidades do chip que integra o cartão podemos vislumbrar o quão longe corremos o risco de chegar.
Em suma, se calhar, ficaríamos mais tranquilos se o Governo tratasse de cumprir outras promessas eleitorais…

3 comentários:

Anónimo disse...

Vai ser o bom e o bonito é quando o Sr. choque-parolo-tecnologico já lá não estiver e as pessoas comecarem a perceber e a sentir na pele o verdadeiro significado de "identity theft".

Ou por outras palavras, para quê roubar cartões multibanco e de credito quando com aquele e só aquele cartãozinho podem "roubar" de uma só vez a vida toda de uma pessoa?

Anónimo disse...

E embora corra um bocado o risco de estar a abusar da caixa de comentarios aproveito para, no seguimento do meu post anterior, deixar um link para uma noticia já com alguns dias mas que, infelizmente, acho enquadrar-se bem demais no raciocínio seguido:

http://dn.sapo.pt/2006/03/01/economia/fisco_obriga_a_pagar_apos_roubo_reci.html

"Fisco obriga a pagar após roubo de recibos verdes"

E mais palavras para quê?

Tenham então um bom fim de semana ;-)

Pedro Cruz disse...

Em fds, agardeço os seus oportunos comentários.
Tem toda a razão em alertar para os riscos do "identity theft" que é já, noutras paragens, um problema altamente preocupante.
Não tardará a chegar ao nosso canto.
Agradeço, também, a hiperligação, que não conhecia. Vou colocar em «1ª página» a notícia em questão. A importância dela justifica-o plenamente...
Bem haja