quinta-feira, 6 de março de 2008

A entrevista de manifestante à comunicação social é crime? E a manifestação não comunicada previamente?

Comentador anónimo retorquiu, em comentário, ao postal No seu caso, o que é que faria?, remetendo-nos para o disposto no nº 3 do art 15º do DL 406/74.
Agradecemos a atenção e o contributo.
Diz essa norma:
«Aqueles que realizarem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles contrariamente ao disposto neste diploma incorrerão no crime de desobediência qualificada
Sucede que, neste diploma, nada existe que proíba quem quer que seja de dar entrevistas à comunicação social.
Ora, o problema reside, precisamente, neste ponto: Terem sido identificados, apenas, os professores que foram entrevistados pela comunicação social, isto a avaliar pelas notícias vindas a público, que não vi serem desmentidas.
É essa a intimidação que considero inaceitável.
Isto dito, tenho de agradecer ao referido anónimo a chamada de atenção.
Com efeito, devo reconhecer que é admissível o entendimento, que não subscrevo nem me ocorreu, segundo o qual, com base na norma que indicou, a participação em manifestação não comunicada pode ser considerada um crime (de desobediência qualificada).
Porém, para que conste, esclareço que não subscrevo tal entendimento.
Penso que devemos interpretar a lei tendo em consideração não só a respectiva letra mas, também, a sua organização sistemática e os próprios elementos constitutivos do tipo de crime.
Neste caso, a qualificação (o «tipo de crime») está previsto no último número (n.3) de um artigo (15º) inserido depois se preverem algumas regras que permitem as autoridades prevenir e/ou impedir abusos graves.
Entendo que a qualificação criminal prevista neste n. 3 do art. 15º destina-se a sancionar esses abusos graves e o desrespeito pelas ordens destinadas a evitá-los, e não tanto a penalizar as simples faltas de comunicação prévia de manifestações, eventualmente espontâneas.
O crime de desobediência qualificada (ao tempo p.p. no art.188º C.P. e, actualmente, no art. 348º C.P.) , que pressupõe uma ordem ou mandado legítimo - de notar que, aqui, ao contrário de outros locais (v.g. o n. 2 deste art. 15º e o art. 8º n. 1), o legislador*, remetendo para o próprio tipo de crime, prevê que o agente incorre no crime de desobediência qualificada e não, apenas, nas penalidades para ele previstas - era, na altura, punido com pena até 3 anos e multa por 6 meses (actualmente 2 anos e multa de 240 dias).
Pelo seu lado, os contramanifestantes incorriam nas sanções previstas para o crime de Coacção Física, na altura punido com uma pena de um mês a um ano. Portanto significativamente inferior às penalidades previstas para a prática do crime de Desobediência Qualificada.
Como é evidente, a conduta impeditiva, por contramanifestante, do livre exercício do direito de reunião, e a própria posse de armas numa manifestação, criminalizada pelo art. 8º n. 1 - «incorrerão nas penalidades do crime de desobediência» (e não no crime de desobediência em si que, como referimos, pressupõe uma ordem ou mandado legítimo) -, são condutas muito mais graves e censuráveis do que a simples reunião ou manifestação espontâneas não comunicadas previamente...
Não pode, por isso, no meu entender, considerar-se a simples manifestação ou reunião não previamente comunicada como um crime de desobediência qualificada, sob pena de grave injustiça e distorção do espírito do legislador.

* Se considerarmos que este Decreto-Lei não foi subscrito, apenas, pelo Companheiro/General Vasco Gonçlaves mas, também, pelo insigne advogado e jurista Francisco Salgado Zenha, temos que considerar que as opções tomadas pelo legislador não foram obra do acaso...

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