Recentes notícias acerca dos acontecimentos na Universidade Independente davam-nos conta do confronto iminente entre grupos de segurança privados ao serviço de cada uma das partes em litígio, os quais acabaram por ter sido apartados e expulsos do campus universitário (aparentemente in extremis) pela P.S.P.
Este episódio - tipicamente medieval e de quase anarquia - é bem demonstrativo dos riscos que corremos quando o estado cede/aliena/abdica de elementos centrais do exercício dos seus poderes de soberania essenciais - a defesa e representação externas, a segurança interna com o monopólio do poder coactivo e a administração da justiça.
Uma sociedade que não consegue proteger todos os cidadãos, que se mostra incapaz de impor o respeito pelos seus valores essenciais e de resolver, supra partes, os litígios que nela ocorrem, é uma sociedade injusta e incivilizada, que consome as suas energias em lutas, canseiras e desmandos, ao invés de criar riqueza e bem estar para os que a integram.
O mesmo Estado que chamou a si, por vezes em quase exclusividade, tarefas socialmente importantes mas que pouco ou nada têm que ver com a soberania - como a saúde, a educação, etc. -, o Estado que ao longo dos anos conferiu a médicos, enfermeiros, professores, conservadores de museus, funcionários administrativos indiferenciados, mulheres de limpeza, porteiros, etc. a qualidade funcionários públicos - é o mesmo que tem vindo a alienar responsabilidades essenciais da sua soberania, v.g. as ligadas à segurança interna e à administração da justiça e mesmo à ordenação do território.
É assim que:
- se assiste à profusão de empresas de segurança privada, que suprem as ineficiências e faltas de meios das polícias;
- se privatizam serviços de polícia (EMEL e congéneres), privatizando o espaço público e o exercício de medidas coactivas não determinadas ou controladas judicialmente - o que só deveria ser permitido às Polícias, em circunstâncias especiais -, privatizando também, e arredando de conveniente controle público, o destino das multas...
- se privatizam, através dos Solicitadores de Execução, as funções mais básicas da administração da justiça, como o chamamento a juízo e a execução concreta e coerciva das decisões judiciais;
- se comete a tarefeiros e funcionários eventuais dos CTT (S.A.) a responsabilidade de efectuarem citações judiciais através de um simples depósito, não confirmado pelo interessado ou por terceiro;
- se privatiza o reconhecimento, em nome do estado, da validade dos negócios e dos documentos, através da privatização do Notariado (a quem, entretanto, foram retiradas diversas competências e a quem, para compensar, se facultou o desempenho de funções próximas do exercício do mandato e da consulta jurídica...);
- se desjudicializa a resolução de conflitos;
- se discute a privatização de alguns serviços nas cadeias, etc.
Ora, nada disto é inócuo.
Um Estado que se agiganta no secundário e mesmo no acessório, que interfere nas questões mais comezinhas da vida dos cidadãos, mas que se demite das suas funções essenciais, é um Estado fraco, incapaz, inepto, cúmplice da lei do mais forte e do salve-se quem puder.
É um Estado que efectivamente despreza as belas intenções proclamadas na sua Constituição, que cinicamente reitera nos preâmbulos dos decretos e nos discursos em dias festivos.
sexta-feira, 23 de março de 2007
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1 comentário:
Excelente artigo Pedro, concordo inteiramente.
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