domingo, 10 de dezembro de 2006

Causas da destruição de um belo país

O Funes referiu, o Abrupto publicou, um dos seus leitores - Pedro Bingre do Amaral - escreveu.
Merece divulgação alargada e campanha empenhada - posse pública das mais valias urbanísticas já!:

URBANISMO, ORDENAMENTO, CORRUPÇÃO
«Várias têm sido as linhas que tem escrito deprecando a fealdade urbanística que vem desfigurando o nosso país.
Lamento, no entanto, que poucas vezes se tenha abalançado a explorar a etiologia dessa maleita - que, contrariamente ao que se pensa, tem causas na Economia Política do nosso país e não na falta de bom-gosto ou bom senso.
(...) Permita-me que use como mote para o efeito a seguinte notícia, veiculada hoje nos jornais portugueses:

"O ministro da Economia foi esta semana a Grândola entregar o alvará de construção do projecto turístico da Herdade de Pinheirinho a Joaquim Mendes Duarte, presidente da Pelicano – Investimento Imobiliário SA, entidade promotora do empreendimento. (...) A história remonta a Novembro de 2001, quanto a Pelicano foi parte num contrato-promessa de compra e venda dos terrenos que integravam o lote n.º 31-17, com uma área de 412,85 metros quadrados, situado na Quinta da SAPEC, freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela. A Pelicano terá acordado vender os respectivos terrenos por 288 200 euros, com o preço a ser pago em dez prestações."

Este processo, na essência igual a todos os outros que estão na génese do nosso desordenamento urbano, exemplifica muito bem a Economia Política do nosso país.
Não é apenas o sector urbanístico que está em causa: é toda a organização política e económica do país.
Na ausência de alvarás de loteamento e licenças de edificação, um terreno de uso estritamente agrícola naquela zona, não vale mais do que 1 euro por metro quadrado.
Porém, como este exemplo bem ilustra, assim que é reclassificado de urbanizável, passa a ser vendido a 288200 €/412,85 m2 = 698,07 €/m2.São 697 € de mais-valias urbanísticas por metro quadrado.
Por outras palavras, são 1.394.000 CONTOS de mais-valias urbanísticas por hectare. Vá lá, se descontarmos uma generosa "área de cedência à administração pública" de 50% do terreno, sobra apenas das mais- valias a exígua bagatela de 697.000 CONTOS por hectare.
Este rendimento não é um lucro, pois não resultou do factor de produção trabalho.
Este rendimento não é um juro, pois não resultou da assunção de riscos sobre o capital.
Este rendimento é uma RENDA PURA gerada por uma decisão político-administrativa.
O pedido de reclassificação de terrenos agrícolas em urbanizáveis é portanto uma clara e manifesta procura de rendas ("rent-seeking" activity).
É uma forma de obrigar os cidadãos que procurem habitação a pagar ao promotor uma fortuna por um bem que ele não produziu (o solo) e um serviço que ele não prestou (a concessão de alvará).
Vale a pena recordar as palavras de Anne Krüger, economista pioneira no estudo da grande corrupção:

"If income distribution is viewed as the outcome of a lottery where wealthy individuals are successful (or lucky) rent-seekers [promotores de loteamentos, diria eu], whereas the poor are those precluded from or unsuccessful in rent-seeking, the market mechanism is bound to be suspect. (...) The perception of the price system as a mechanism rewarding the rich and well-connected may also be important in influencing political decisions about economic policy. If the market mechanism is suspect, the inevitable temptation is to resort to greater and greater intervention [criando PDMs, RENs, RANs, PINs, &c, diria eu], thereby increasing the amount of economic activity devoted to rent-seeking [pedidos de desafectação, revisão e suspensão de planos de ordenamento, diria eu].
As such, a political vicious circle may develop."("The Political Economy of the Rent-Seeking Society", in The American Economic Review 63 (3), 1974)
É para evitar estes fenómenos que a constituição espanhola afirma, no seu artigo 47º "(...) La comunidad participará en las plusvalías [mais-valias urbanísticas] que genere la acción urbanística de los entes públicos [por exemplo, reclassificando os solos e atribuindo alvarás]."
...E é por terem violado este preceito que em Espanha nos últimos meses tem havido literalmente dezenas de mandatos de captura de autarcas, funcionários públicos e promotores imobiliários.
As políticas urbanísticas são, no país vizinho, discutidas com enormes frontalidade e seriedade, dedicando-se ao tema dezenas de colunas de opinião em todos os principais periódicos.
Entretanto entre nós, portugueses, graças a uma legislação escrupulosamente preparada para obnubilar a posse pública obrigatória das mais-valias urbanísticas, os milionários instantâneos que o nosso urbanismo produziu estão em liberdade, ostentando sem qualquer pudor as fortunas que conquistaram à custa do endividamento de todos e da pauperização dos cofres do Estado.
É por isso inútil apontar o dedo somente à empresa Pelicano: esta é apenas um exemplo particular de um fenómeno generalizado e legalizado.
Todos os terrenos que foram loteados desde 1965 (ano da privatização dos loteamentos) permitiram essa mesma imoralidade, com todo o amparo e protecção dos órgãos legislativos,executivos e judiciais do Estado Português.
Repito, todo o país sofre das mesmas patologias - a Herdade do Pelicano difere apenas por ser mais mediática. Revoguemos pois as Leis que permitem estes cancros.
Poucos tópicos de Economia Política merecem tanto consenso como a posse pública das mais-valias urbanísticas.
Entre os seus defensores estão David Ricardo, Stuart Mill, Henry George e, mais recentemente (por surpreendente que pareça) Milton Friedman.
Um dos seus defensores mais fervorosos de todos os tempos não foi senão Winston Churchill.
Por todo o Ocidente civilizado se procede à sua posse pública, seja por proibição dos loteamentos particulares, seja por cobrança exaustiva de toda a valorização do terreno reclassificado.
Em Portugal, nada.
Não obstante estas evidências, os loteadores portugueses que enriqueceram às custas destas mais-valias procuram desacreditar aqueles que se opõe a esta forma de enriquecer, acusando estes últimos de serem "extremistas" e "anti-liberais".
É o cúmulo dadesinformação: fazer crer que é liberal uma política de solos que permite enriquecer sem trabalho, pedindo alvarás ao Estado e às Autarquias.
Consagrar a posse pública das mais-valias urbanísticas não é uma opção ideológica de Esquerda nem de Direita. É uma opção que foi tomada por todos os Estados modernos entre os quais, neste capítulo, Portugal não se inclui. É uma pré-condição básica para que o ordenamento do território seja economicamente eficiente, socialmente equânime, tecnicamente sustentável, e esteticamente harmonioso.
Por desconhecimento ou conveniência, os políticos portugueses e seus comentadores jamais debateram publicamente este problema, com rigor conceptual e precisão factual. Uma vez por outra, carpem o horror dos subúrbios. Esporadicamente surpreendem-se com o novo-riquismo dos promotores; espantam-se com a existência de contubérnios entre autarcas, dirigentes futebolísticos e promotores imobiliários; culpam disso o financiamento partidário e camarário, falhando grosseiramente o diagnóstico.»
Revoguemos pois as Leis que permitem estes cancros.

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