terça-feira, 26 de maio de 2009

Campanha - I

Ao fim de quase dois meses no estrangeiro, aterro em Lisboa durante aquilo que considero ser o período (mais) negro do ciclo eleitoral - a campanha eleitoral. E já estou escandalizado.
Bem ao contrário do que na m/ opinião deveria acontecer, as leis da república consagram-no e protegem-no. Deveriam proibi-lo.
A decisão que levará à escolha dos que elegeremos não deveria ser amadurecida, racional e informada? Então porque é que é tomada em ambiente de feira ou de claque de futebol? Não era já o tempo de abandonarmos a putativa democracia festiva, adoptando, apenas e só, uma singela mas exigente democracia?
Um programa político não é um sabonete. A avaliação daqueles que nos representaram não é um concurso de misses. O escrutinio do cidadão deveria ter-se formado ao longo do ciclo avaliando a prestação daqueles que elegeu. A opinião do eleitor deveria, por isso, ter-se formado com tempo, informação, espírito crítico e à luz da prestação de contas (única actividade de propaganda que deveria poder ser consentida no período pré-eleitoral).
Mas não, é ao contrário. As propostas eleitorais e os candidatos são impingidos em ambiente de euforia irracional.
Desde logo dá-se o caso de, em quase todo o mundo, os candidatos mentirem conscientemente aos eleitores. Em alguns países - v.g. o escândalo na Áustria -, quando a mentira é descoberta, surge um clamor de todo o tamanho e o mentiroso acaba por ficar em muitos maus lençois. Mas por cá não. Parece que um político é tanto mais competente quanto mais descaradamente mentiroso for. Mas desengane-se quem pense que este é um postal (só) contra os políticos. Não é. É um postal contra nós, eleitores. Os políticos cavalgam a onda e dão-nos aquilo que queremos ou consentimos. E nós queremos pouco e consentimos muito. Queremos, desde logo, promessas vãs. E consentimos a corrupção e o tráfico de influências.
Antes de uma campanha o candidato tem que fazer uma escolha: pela verdade ou pela mentira. Actualizamos assim, a contrario, o jogo infantil do verdade ou consequência.
É triste dizê-lo, mas o que a experiência nos diz é que, se quer ganhar, o político tem que mentir. Basta ver as últimas eleições legislativas, que o PS ganhou principalmente à custa de promessas de que tinha plena consciência que não iria cumprir. Mas o pior de tudo é que, em boa parte dos casos, a mentira nem se destina a convencer o eleitor da bondade ou veracidade da medida prometida, mas apenas a convencê-lo a escolher o respectivo proponente. É que dá-se o caso estranho e incompreensível de estarmos perante um jogo do género - eu sei que tu sabes que eu sei - i.e., o cidadão sabe, o mais das vezes, que o político está a mentir. O político sabe que o cidadão não ignora que a sua proposta é mentirosa. Mas sabe, também, que o cidadão quer ouvi-la, quer, sei lá, inebriar-se e acalentar um sonho temporário (só dura o tempo de uma campanha), quer, em suma, que ela seja feita, sob pena de não o eleger. E quer, também, depois de depositar o seu voto na urna, alcandorar-se a uma inexistente superioridade moral sobre os políticos, chamando-lhes tudo o que lhe vem à cabeça (o que muitas vezes é perfeitamente verdade). Sucede que o político não é pior do que o cidadão que o elegeu. Não passa da sua escolha e limita-se a jogar o seu jogo. Pelos políticos que temos vemos o povo que somos. Eu tenho vergonha.
Para além disto, as campanhas eleitorais são, por excelência, o período do insulto. Ontem, à falta de outros argumentos, o candidato do P.S. chamava aos seus opositores do PSD e CDS/PP aquilo que o seu espírito de comunista convertido ainda considera ser um insulto: «Direita reaccionária» (ainda não percebeu que a revolução está morta e enterrada e que a reacção a este statu quo é, de facto, a única saída). Mas, e o que é grave, por que nos toma por estúpidos, entreteve-se a dizer, por mais de uma vez, como ouvi na TSF, algo como mais ou menos isto: Se nós fossemos demagógicos e oportunistas como os nossos adversários, diríamos... (e aqui confesso que nem me recordo do que diriam).... , mas como não somos oportunistas e demagógicos como eles, recusamo-nos a dizê-lo.
Ainda bem que o senhor professor não o disse. Quer dizer, ainda bem que o candidato afinal não disse o que tinha acabado de dizer. Ou melhor, ainda bem que o lente acabou por recusar-se a dizer o que tinha dito...

1 comentário:

privaDA disse...

Totalmente de acordo.