sexta-feira, 28 de março de 2008

Lamentáveis coincidências

Poucos dias depois desta notícia:
- DGCI ameaça noivos com coimas se não derem informações sobre o casamento -

que finalmente suscitou o escândalo que merece, conhecemos esta:
- Código Civil acaba com culpa na dissolução do casamento,
PS propõe fim do divórcio litigioso
.

Não se percebe para quê isto:
- Sócrates anuncia programa de apoio à natalidade

Ou melhor, percebe-se. É pura demagogia.
Mas era já tempo de, como outros, abrirmos os olhos para a autêntica crise demográfica que estamos a viver. Combatendo-a.
Malthus morreu. Portugal, o Ocidente, e mesmo boa parte do mundo vivem uma implosão demogáfica.

Entendamo-nos,
O BE e alguns socialistas nostálgicos do Maio de 68 pensam que os ataques à família e ao casamento são políticas de esquerda.
Nada mais falso, - isto se associarmos à esquerda a luta pela igualdade e pela protecção dos mais fracos.

Com a conversa fiada do casamento como «união de afectos», tributária das histórias de príncipes e princesas que se apaixonaram, casaram e foram muito felizes, os políticos, ditos de esquerda, que promovem o Divórcio na Hora, mostram ser ferozmente individualistas e desconhecer o essencial:
- Que o casamento se destina a garantir as melhores condições para o nascimento e crescimento dos futuros cidadãos, através da criação de uma comunidade estável unida por laços de solidariedade, que os eduque.

Está demonstrado estatisticamente que as famílias mono-parentais são mais vulneráveis à pobreza e que os índices de delinquência juvenil, de insucesso e de abandono escolar são, nelas, muitíssimo maiores do que nas famílias tradicionais. A psicologia e o bom senso explicam a relevância do papel de ambos os pais no saudável crescimento das crianças.
Posto isto, deve o Estado incentivar e vulgarizar o Divórcio ou, pelo contrário, mantê-lo como solução imprescindível, mas de último recurso?

Quantas separações não se devem a um crescente individualismo egoísta, de quem rapidamente baixa os braços, seguindo a moda, incentivado por uma sociedade superficial, infantilizada e hedonista, que se mostra incapaz de lutar e de se mobilizar por objectivos que transcendam a satisfação dos seus apetites mais imediatos? (Advogado que sou, não posso nem quero deixar de referir as outras, que surgem como solução ou alívio de verdadeiros dramas humanos.) Quantos divorciados não ficam em pior situação socio-económica, regressando, muitos, mais jovens, para casa dos pais, num traumático regresso a uma infância tardia e perdida?

Historicamente (em termos sociais e, legislativamente, desde os primeiros diplomas que se conhecem - cfr. infra, em post scriptum, a propósito dos órfãos e das viúvas) a instituição do casamento destinou-se a proteger as partes mais fracas - a mulher e as crianças que, sem a segurança e a estabilidade proporcionadas por tal instituição, ficariam à mercê da volubilidade do companheiro/pai, que a qualquer momento as poderiam abandonar.*
Ainda hoje, o casamento protege a parte mais fraca (em termos económicos, profissionais, psicológicos, sociais, etc.), que já não é sempre a mulher, mas continua a ser a criança.

Do que vamos vendo, a resistência (ainda que táctica) ao divórcio surge, sempre, do lado do cônjuge mais fraco que, no divórcio litigioso procura, e frequentemente consegue, numa família já desfeita, alguma igualdade de armas para zelar pelos seus interesses.
Casos há, de românticos, ou de convictos, que resistem à ideia do divórcio sem ser por uma questão de luta pelos seus próprios interesses. Mas esses, lançados que estejam os dados, não costumam resistir activamente contra o inevitável - o divórcio - que o é, sempre (mesmo no regime actual, ninguém é obrigado a permanecer casado, já que, ainda que culpado, pode pedir o divórcio após 3 anos de separação de facto).

De notar que não se pode falar propriamente de divórcio sanção no regime actual do divórcio litigioso, já que as consequências para o cônjuge declarado único culpado são pouco significativas.

A razão pela qual as pessoas só recorrem ao divórcio litigioso em última instância, prende-se essencialmente com o facto de ser um processo moroso, desgastante, que implica o investimento da(s) parte(s) na luta pela obtenção daquilo que querem.
Significa isto que o grande incentivo para a obtenção dos acordos que, na enorme maioria dos casos, permitem o divórcio por mútuo consentimento, reside precisamente no - na tentativa de evitar o - desgaste e investimento que implica o divórcio litigioso (e não tanto o de evitar o tal divórcio sanção).
Como é evidente, com o fim deste, a parte mais forte deixará de ter motivos para se empenhar na obtenção de acordos. O que aumentará a litigiosidade, com funestas consequências sociais e acabará por complicar ainda mais a vida aos tribunais (provavelmente o contrário do que os autores da proposta levianamente prevêem) que, pelos vistos, passarão a decidir tudo, até a partilha.

Numa sociedade preocupada com os alarmantes índices reduzidos de natalidade (e com o aumento da criminalidade juvenil) esperar-se-iam, mais do que discursos, políticas integradas.

E, afinal, o que é que vemos?
- A Administração Fiscal, impertinente, a perseguir esposos, devassando a respectiva vida, perturbando-lhes a
lua de mel com o preenchimento de interrogatórios de tipo delatório... (isto já para não referir as desvantagens fiscais do casamento, que subsistem).

- E a A.R. a convidar ao individualismo e à desresponsabilização, incentivando a desagregação das famílias, vulgarizando, ainda mais, o divórcio, desobrigando as partes de se entenderem.

Já tínhamos chegado ao ridículo, mas têmo-lo vindo a acentuar, de fazer do casamento o contrato menos estável e com vínculos mais frágeis, isto ao lado de contratos, como o de arrendamento e o de trabalho, tendencialmente vitalícios.
Preparamo-nos agora para fazer do casamento um contrato aparentemente só com direitos e sem obrigações mas, de facto, sem conteúdo.
Isto quando o Estado, prepotentemente, interfere na liberdade dos cidadãos, regulando mais ou menos exaustivamente as uniões de facto, criando direitos e obrigações resultantes da simples existência de um facto que as partes podem ter querido voluntariamente deixar à margem do Direito.
Casar para quê? Para ficar com as dívidas (comerciais) do cônjuge?

P.S.* Na altura, mulheres e crianças naõ tinham a mesma dignidade jurídica dos homens. Ao ponto das preocupações com os órfãos e as viúvas serem bem patentes nos textos legislativos mais antigos, v.g. O código de Urukagina, o de Ur-Nammu, provavelmente o de Eshnunna (onde o casamento era já um contrato), o de Lipit-Ishtar, o famoso de Hamurabi, o Livro do Êxodo p.e. 22,22). E todos eles regulam (a sério, com conteúdo) o casamento.

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