sexta-feira, 14 de março de 2008

A greve

Acabo de chegar do Tribunal, onde tinha uma audiência marcada.
Entre partes e testemunhas, deslocaram-se umas 20 pessoas, com várias profissões (incluindo uma médica e um juiz).
A audiência não se realizou. Havia greve.
20 vidas directamente perturbadas, debalde, só para aquele processo. Muitas outras indirectamente.
Uma das pessoas veio de longe, de transportes públicos.
Perguntada, com bons modos, acerca da razão pela qual não fôramos notificados ou ao menos alertados, a funcionária, requisitada, respondeu, com maus, que assim a greve não faria efeito.
Não faria efeito!
Expliquei-lhe, com bonomia, que é suposto que a luta seja contra o Ministério da Justiça, o Governo, ou a entidade patronal e não contra os cidadãos que, muitos deles, se deslocam ao Tribunal gratuitamente, alguns obrigados, para colaborar com a Justiça e que esta sai aviltada com semelhantes comportamentos daqueles que a servem.
Não ficou convencida.
Nem valeria a pena explicar o óbvio, que com comportamentos destes, as pessoas cada vez mais fogem dos Tribunais e se recusam a colaborar com a Justiça.
Não quereria saber. Para ela deve tratar-se, apenas, de um emprego.
Está errada. Ela e os colegas perderam mais uma oportunidade, e deram um tiro no pé.
Se eu fosse funcionário judicial grevista, tomava a liberdade e iniciativa , em concurso com os demais que naquele juízo e seccção se identificassem com essa forma de luta, de consultar no site da Ordem dos Advogados os endereços electrónicos dos mandatários com diligências, e enviava-lhes, de um endereço alternativo, comum e criado para o efeito, uma msg. dando conta da marcação da greve, alertando para os possíveis efeitos da mesma, explicando os respectivos motivos, concluindo a lamentar os incómodos involuntariamente causados e pedindo que o teor da comunicação fosse transmitido às partes e às testemunhas.
Isto se o juiz não tivesse tido o cuidado de dar sem efeito as diligências marcadas, mandando notificar quem tivesse sido convocado para se apresentar em tribunal.
Talvez desse modo as pessoas percebessem as razões da greve e se pudessem solidarizar com os funcionários em luta.
Talvez desse modo as pessoas não ficassem indignadas, acentuando a sua impressão negativa contra os funcionários públicos, dizendo deles cobras e lagartos.
Talvez desse modo a greve causasse verdadeiro impacto.
Ah! e seu fosse dirigente sindical, nunca me lembraria de marcar uma greve numa sexta-feira, véspera de férias judiciais...
Será que entre tanta gente, não haverá ninguém que se lembre que uma greve contra o Estado (que com ela poupa uns milhares) é, essencialmente, uma luta política e de imagem, em que a ideia que passa é o mais importante?

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