quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Portaria n.º 114/2008 (DR 26 SÉRIE I de 2008-02-06)

Foi finalmente publicada a Portaria n.º 114/2008 de 6 de Fevereiro (DR 26 SÉRIE I), que regula vários aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais.
Deveria ter entrado em vigor antes de 31 de Dezembro, na sequência da reforma do Código de Processo Civil e nos termos dos inacreditáveis arts. 8º, 11º e 12º do D.L.n. 303/2007 de 24-8.
Foi também já criado e apresentado o sistema informático CITIUS, no endereço electrónico
http://citius.tribunaisnet.mj.pt/ .
Segundo o Governo:
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A portaria nº114/2008 regula a tramitação electrónica das acções declarativas cíveis, das «providências cautelares» (sic)* e notificações judiciais avulsas, com excepção dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal. Aplica-se, também, às acções executivas cíveis, com excepção da apresentação do requerimento executivo.

Prevê:
- Um novo padrão de apresentação de peças processuais – através de uma plataforma – o sistema informático CITIUS, no endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt/ , deixando, pelos vistos, de se recorrer ao correio electrónico. Aparentemente, o uso do MDDE tornar-se-á dispensável - art. 5º n. 4 e art. 13º a);

- Um novo paradigma de apresentação de peças processuais – através de preenchimento de formulário. Art. 5º (prevêem-se problemas se esses formulários não permitirem liberdade de exposição);

- Um novo paradigma de formato electrónico de peças processuais e documentos a apresentar: de *.rtf (editáveis) e *.tiff para *.pdf (estáveis) - art. 7º;

- Dispensa a apresentação de comprovativo da notificação da parte contrária, mediante declaração do mandatário notificante, sem prejuízo dos poderes de verificação do juiz - art. 9º n. 1;

- Cria um novo prazo processual, de 1 dia útil – art. 9º n. 2 –, para a notificação da contraparte feita por mandatário que declare ir fazê-la;

Significa isto que a declaração do mandatário deve ser certa e inequívoca quanto ao dia em que fez ou fará a notificação, de forma a permitir ao tribunal a contagem correcta do prazo para a prática do acto pela parte notificada;

- O art. 14º desta portaria prevê que a entrega do ficheiro informático nos termos do art. 152.º n.º 6 do C.P.C. seja feita através do CITIUS. Como o respectivo formato deverá ser o *.pdf (art. 7º), impõe-se uma interpretação deste art. 14º (que o espírio do diploma dificilmente permitiria), no sento de admitir a entrega de ficheiro em formato editável, sob pena de ficar comprometido o escopo daquela norma processual (que, naturalmente, deve prevalecer);

- Prevêem-se duas distribuições diárias: às 11:00h e às 13:00h (esta última ocorre a meio do período de encerramento para almoço);

- Os actos processuais dos magistrados judiciais serão sempre praticados em suporte informático, através do sistema informático CITIUS — Magistrados Judiciais - art. 17º n. 1;

- O processo em suporte físico deixará de conter a maior parte das peças, autos e termos do processo que não sejam relevantes para a decisão material da causa;

- Por outro lado, poderão existir apenas no processo em suporte físico alguns elementos que não constarão do processo em suporte electrónico – cfr. art. 10º e art. 21º . Isto significa que, para se poder conhecer todo o processo, poderão ter que ser consultados ambos os suportes;

- Despachos que ordenem a citação são considerados «despachos de expediente que visem actos de mera gestão processual» - art. 23º b) i.

- Alteração ao art. 2º da à Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, que regula o funcionamento do SITAF – destinada a permitir o uso do formato *.pdf.

A portaria entra em vigor no dia 7 de Fevereiro 2008 – art. 30º, salvo quanto à revogação das portarias n.º 642/2004, de 16 de Junho e n.º 593/2007, de 14 de Maio em que a norma revogatória «…entra em vigor no dia 30 de Junho de 2008

Não obstante, esta Portaria, seguindo uma curiosa prática recente, produz efeitos no tempo antes da respectiva entrada em vigor, na medida em que as regras relativas à apresentação em juízo, por via informática, de peças processuais (Secção II) aplicam-se já desde hoje – dia 6/2 – às acções tramitadas no Tribunal da Comarca de Sintra e no Tribunal de Família e Menores de Sintra - Art. 28º.

Em relação às acções tramitadas nos restantes tribunais, aplicam-se aquelas regras (da Secção II) a partir do dia 7 de Abril de 2008.

O disposto nos capítulos III e V da portaria aplica-se a partir do dia 7 de Abril de 2008 e o disposto no artigo 17.º e no Capítulo VI da portaria aplica -se a partir do dia 30 de Junho de 2008.

O regime da Portaria manteve-se no segredo dos deuses até hoje, dia da respectiva publicação.

Os advogados e solicitadores não o conhecem.
Tanto quanto sabemos** , não foram editados ou disponibilizados suportes de divulgação, como os que foram disponibilizados por ocasião da entrada em vigor das regras de autoliquidação das taxas de justiça e do actual Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Tanto quanto sabemos**, a generalidade dos funcionários judiciais não recebeu acções de formação relativas a este novo regime, que provocará uma autêntica revolução nos tribunais, modificando, como se viu, boa parte dos paradigmas que desde sempre regeram a tramitação do processo civil.

Tanto quanto sabemos**, só alguns juízes receberam sumárias acções de formação.

O parque informático dos tribunais é, na maioria, tanto quanto nos é dado saber, obsoleto.
Ainda assim, depois de tantos e tão graves disparates do Governo na área da Justiça, confesso-me surpreendido, já que o saldo em relação a este diploma parece ser positivo.
* o legislador parece não conhecer a diferença entre procedimento cautelar e providência cautelar.
** e, pelas funções que por ora desempenhamos, até estamos numa posição privilegiada para o saber.

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